segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O mais alto grau de sociabilidade experimentado

O deslocamento de estudantes na hora da entrada (ou da saída) da escola é uma ocasião interessante para análise do comportamento desse grupo. Hoje (terça-feira, 17 de abril de 2012), saía de casa após almoçar e voltava para o trabalho quando me deparei com um caso interessante neste âmbito.

Em minha rua, rota de passagem para escola Carlina Caçapava de Mello para muitos alunos, um grupo se aproximava. Neste, os do sexo masculino não estavam uniformizados e eram acompanhados por uma menina (com a camiseta da escola). Uma voz feminina é ouvida, chamando-os. Eles se detêm e constatam: “É a Raimunda” – a garota em questão estava acima do peso determinado como padrão de beleza atualmente. Um deles decreta: “Deixa ela aí”. Outro intervém: “Não! Ela vai trincar os cinco conto (dar R$ 5 – para compra de algo não definido na conversa em questão)”. Isso ocorre enquanto eu caminho na direção oposta. O grupo pára para aguardá-la e eu cruzo com Raimunda antes deles. Curiosamente, a menina dispara um som em seu aparelho celular antes de se encontrar com o grupo – um funk que não pude definir o que dizia.
O que constatar disso? Claramente, Raimunda utiliza tanto de artifícios financeiros (pagando coisas aos amigos) quanto de abordagem cultural (ouvir funk, por exemplo) para se integrar ao grupo que, dada a falta de uniforme e a clara posição anti-autoridade circunscrita na atitude de não se uniformalizar ou, em última análise, não corresponder às imposições burocráticas da escola, apresenta-se ao resto dos estudantes como o foco de resistência à massificação experimentada pela maioria frente a tal ato de autoridade, reconhecida na figura da escola. Estar nessa posição, de desafio ao domínio, incide numa popularidade fundamentada na percepção tácita dos alunos de que o tempo na escola não é voltado ao aprimoramento, mas sim, à restrição de suas potencialidades sociais que, no grupo, se desvirtua na atitude de enfrentamento ao sistema – sem saberem, afrontam um microcosmo da sociedade, dividindo-se em grupos antagônicos nos quais a ascendência e integração são conferidas a partir da similaridade entre os sujeitos. Raimunda ligou a música para denotar simpatia, não por gosto.
Uma notícia publicada no jornal Diário do Grande ABC também me chamou a atenção. Alunos desta mesma escola citada teriam se enfrentado fisicamente com estudantes de uma escola vizinha chamada Sesi – escola frequentada por alunos de renda superior aos do Carlina. Segundo a reportagem, os alunos relatam que as agressões começam por olhares de desaprovação praticados por ambos os lados, quando do encontro dos mesmos. Mais uma demonstração do enfrentamento de classes vivenciado em todos os âmbitos da sociedade e que, na efervescência da juventude, culmina no enfrentamento físico. Em outro momento da vida, o ódio experimentado por indivíduos pobres em detrimento aos ricos é manifesto sem reação – anônimo e condicionado.

Já frente à entrada de meu trabalho, duas meninas voltavam do Carlina. Ambas usavam fones de ouvido e caminhavam juntas, porém não se falavam. Ao passarem por mim, detectei mais um mecanismo de autoafirmação e culminante desejo de reconhecimento de si pelos outros: uma das garotas tinha o próprio nome estampado em letras garrafais na mochila que carregava. Tal atitude pode ser interpretada como uma maneira de satisfazer o desejo de aproximação aos demais indivíduos sem, no entanto, tal proximidade fundamentar-se empiricamente. Uma representação muito clara de que a simples percepção de si pelos outros já é encarado como uma busca de socialização. Tal prática é amplamente difundida na sociedade contemporânea, dadas suas características de isolamento dos indivíduos. Isolamento esse que é caracterizado, erroneamente, como o mais alto grau de sociabilidade experimentado pela humanidade, conectada a tudo e a todos, sem necessariamente ligar-se com ninguém.