sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Por que o trabalho é um castigo?


Chego à redação por volta das 9h e lá está nossa diagramadora contabilizando as férias que pretende solicitar em janeiro. Ela me apresenta o cronograma e esclarece o método pelo qual, segundo ela, se tornará possível entregar todas as publicações da editora dentro do prazo. Há na diagramadora uma energia juvenil, é como se houvesse no âmbito do vigor uma alegria triunfante.

Penso então nas formas do trabalho e na maneira como encaramos a labuta diária.

Labuta, inclusive, é uma palavra feia. Foneticamente, pra mim, tem o som de uma chicotada ou de qualquer coisa que esfola a carne. Para o dicionário Houaiss, labuta começa como um substantivo feminino que significa “trabalho árduo e penoso, lida, canseira”. A derivação por extensão de sentido da palavra, todavia, é apontada no léxico como simplesmente “qualquer forma de trabalho”.

Em que período histórico da humanidade, então, a aflição foi convertida em sinônimo de trabalho, e vice e versa? Quando determinamos que o trabalho é necessário para a felicidade, mas que a felicidade só é obtida fora do trabalho? Por que a base da sociedade humana tem de ser uma pena para a sociedade humana, quase um castigo diário pelo qual devemos passar caso queiramos obter as coisas que nos cercam?

Karl Marx, filósofo alemão do século 19, disse certa vez que “o trabalho não é a satisfação de uma necessidade, mas um meio para satisfazer outras necessidades”. Acrescento: essas “necessidades” que buscamos saciar são parte de um processo no qual as demandas são criadas para serem perseguidas, e de repente, todos somos fisgados para uma realidade na qual a posse de um bem de consumo torna-se a necessidade em si, e o conteúdo que se dane – queremos sapatos cujo “brilho” supera a durabilidade.

Esse mesmo alemão chamou esse processo (ou algo parecido com isso! Estou um pouco confuso!) de alienação – leiam os “Manuscritos econômicos filosóficos”, de Marx, não vai arrancar pedaço e garanto que você não vai querer abrir mão da sua casa e dividir o seu dinheiro, como garantem os ideólogos do anticomunismo. O sociólogo brasileiro Ricardo Antunes, no livro “O Caracol e sua concha”, sintetizou o tema. Para ele, o ponto crucial está na centralidade do trabalho na sociedade atual. O trabalho é, segundo Antunes, um elemento historicamente determinado, essencial para a existência do homem.

Mas sem precipitações, patrões exultantes frente à afirmação, Marx complementa: “Quanto mais o trabalhador se desgasta trabalhando, tanto mais poderoso se torna o mundo objetivo, alheio que ele cria diante de si, tanto mais pobre se torna ele mesmo, seu mundo interior, e tanto menos o trabalhador pertence a si próprio”.

Traduzindo: quanto mais você trabalha, maior fica o bolo que você nunca irá comer.

Sem mais!

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Debater é preciso (ainda mais a política)



Na última segunda-feira (1°) foi realizado, na Câmara de Vereadores de Santo André, o debate “Reforma Política – os caminhos para uma política melhor”, idealizado pelo vereador andreense Eduardo Leite, que convidou o Ponto Final para participar da empreitada, auxiliando na elaboração do tema e da lista de convidados. (Veja matéria nesta edição).

O evento lotou a Casa e foi, em quase todos os aspectos, um sucesso. Digo “quase”, pois me recordo que no período da faculdade, quando cursava Ciências Sociais na Fundação Santo André e participava de eventos com microfone aberto, já tinha a mesma impressão da obtida na Câmara: o poder de objetividade e síntese dos seres humanos, quando em grupo, é extremamente defasado – talvez isso seja um fenômeno da ansiedade gerada pelo momento, algo enraizado no medo que se pendura nos calcanhares da coragem quando se fala em grupo, e as ideias começam num lugar, e acabam noutro totalmente diferente, sem conexão entre eles.

Mas esta impressão é coisa de quem tem de “encher linguiça” na coluna do jornal, e não tira de forma alguma o mérito do evento – é preciso debater o Estado sempre, quanto mais, melhor.

Sim, o evento foi um sucesso!

A necessidade de melhorar a política brasileira é patente e isso foi consenso na ocasião, salve um adendo aqui, outro lá. Os motivos que levam a essa reforma, esses sim, foram motivo de altercações diversas. Particularmente, entendo que no interior de uma reforma, seja ela qual for, todos querem ser o “arquiteto”, garantindo com isso estabelecer os cômodos que lhes são pertinentes virados para aonde “bate sol” – neste caso, “todos” são os setores da sociedade civil, que são muitos para se elencar aqui (vamos em frente).
Reformar a política é uma necessidade, ninguém pode negar; nem condenar que cada um busque o melhor para o seu grupo, ato esse, natural dentro de um sistema político-econômico baseado em classes (e só nessas circunstâncias é natural tal impasse).

As palavras mais emitidas da noite foram “esgotado”, “moral”, “sistema” e “política”. As frases, na maioria das vezes, usavam duas delas por vez, em construções como: “É necessário recuperar a moral na política” ou “o sistema está esgotado”.

Bem, da minha parte, não acredito que o sistema (político e/ou financeiro) esteja esgotado. Para mim, nunca foi sequer coerente e, inevitavelmente está sendo exposto frente às novas possibilidades de comunicação fundadas na internet. O sistema já nasceu esgotado, uma vez que nunca, em nenhum momento da história da sociedade “moderna”, privilegiou os alicerces da civilização: o trabalhador – antes, a política está (e esteve) de mãos dadas com o capital privado e seus encantos monetários – e nessa conjectura, não é possível moralidade na política.

Contudo, mais uma vez, assim como navegar, debater é preciso, e Santo André sai na frente com suas naus, perante atitudes como as de Leite. Sim, o evento foi um sucesso!