quinta-feira, 28 de março de 2013

Prefácio


Começava a ficar tudo mais claro em sua mente. Todo desespero e agonia tinham, enfim, fundamento. Que espécie de maldição era aquela, perguntava-se antes de atingir a epifania. Porque saber das coisas antes de todos – ou pensar que sabia?  Interpretar trejeitos, frases, escritos, expressões, sorrisos falsos... Tudo, finalmente, se encaixava.
Nenhuma redenção, nenhuma moral, sem destino ou beleza em vista, entornou o restante de vodka do copo, retirou calmamente o fone de ouvido – que reproduzia Emotion Sickness, do Silverchair – levantou da cama e seguiu para a cozinha.
Reabasteceu o copo, desta vez com água. Virou num único gole.
No vitraux, transformado em espelho pela escuridão da noite, viu refletida sua face, murcha e branca, com olheiras profundas, cabelo ralo demais para uma cabeça de 29 anos, pensou. Molhou as mãos na pia e levou-as ao rosto, umedecendo-o. Apanhou uma faca no escorredor.
Na sala, seus pais dormiam ao som ensurdecedor da televisão. Ele apanhou protetores auriculares e enfiou nos ouvidos para evitar a fala irritante de Luciana Gimenez em seu programa noturno insuportável. Com um golpe certeiro cravou a faca no peito do pai. Nenhum som, além de um estampido opaco do cabo encontrando a caixa toráxica foi emitido. Ele a torceu, garantindo a morte. Seguiu ao sofá disposto imediatamente ao lado e degolou a mãe! Mais uma vez, o silêncio predominara.
Sentou-se, então, no centro da sala, deitou, recolhendo o joelho junto do peito e adormeceu, com a lívida certeza de que tudo ficaria bem. Tudo estava bem.

quarta-feira, 27 de março de 2013

O Verme


Primeiro de tudo, devo dizer que a informática assassina a literatura, pois o tempo de inicialização do Windows broxa qualquer criatividade....
Mas este é um texto sobre a noite. A noite é pouco vista. É pouco entendida... olhos astutos logo percebem uma determinação doentia na vida baseada em álcool, amendoim e azeitonas: elas guardam relação com problemas maiores e mais  horrendos....
Existem dois tipos de bêbados no mundo.  1° Os que, inciantes, percebem de pronto a própria carência e, logo, jogam a quarta cerveja no bueiro, o amendoim no bolso, e partem para suas camas relativamente quentes e claramente vazias. 2° os que não desistem, e bebem a quarta, a quinta, a sexta, o uísque e a vodka... dormem na rua... acordam, e recomeçam, sem esperança, pois já não há cama, composta ou vazia, para ocupar, já não há lugar... Uma punheta na sarjeta! Um vômito sobre o esperma e eles sentem-se, finalmente, como os vermes parasitas que acreditam ser...
De repente alguém os olha... E, novamente, estão grávidos... Gestam na mente a maldita ideia redentora das dores irremediáveis, somente para perceber que, irremediável, é a verdade. A verdade de que, por mais amendoim e azeitona que se coma. Por mais álcool que se ingira, a única e perpétua realidade é a de que a ideia e o algo são antagônicos. 
Heis um verme, alimentado por grãos e frutos. Um morto, que goza sozinho, pois, a dois, seria uma divisão de nada.

A mãe de Bukowski!


Não sei exatamente quando, mas há relativo pouco tempo uma série de trabalhadores italianos desembaraçaram em nosso país para uma missão duplamente estúpida: servir os reis do café e do leite, e tentar mudar de vida – algo que, em si, já é idiota. Junto desses atraentes italianos veio uma noção de família unida que destruiu, e ainda destrói, toda possibilidade remota de individualidade e libido (real).

Dia após dia, hora após hora, e blá blá blá... nós estúpidos seres humanos fingimos nossa autoestima, simulando alegria, vomitando palavras de conforto como se a vida pudesse ser melhor somente ao ouvir você dizer que ela “é melhor”. Mas a verdade é que não existe simulação de autoestima quando se está num motel, às três da manhã, e o telefone toca.
Porra, o que seria de Huter S. Thompson se, em pleno “medo e delírio em Las Vegas”, quando chegava ao cerne da incansável busca por desmascarar o “sonho americano”, uma preocupada genitora ligasse repreendendo sua alimentação, queixosa da hora avançada, cagando em cima de Hunter toda a merda que lhe foi imposta goela abaixo por seus antepassados retardados que encontraram na união familiar uma nova forma de exploração do trabalho e, dissimulando, determinaram isso como amor.
E se Charles Bukowski, ou Henry Chinaski estivesse fodendo com Lydia – ou April, Lilly, Dee Dee, Mindy, Hilda, Cassie, Sara, Valerie – e, de repente, enquanto penetrava uma delas (ou várias) com seu vigoroso órgão fosse interrompido por aquela velha mama, acostumada com seus filhos sob a asa, ligando com voz chorosa e queixo trêmulo, perguntando “onde está? Como vai voltar? É tão perigoso esta hora...”. Estamos assassinando a espontaneidade, e isso nos fará ler textos escrotos de Twiter pelo resto da eternidade, pois nenhuma mente criativa sobrevive a regra e a rotina. 
Este texto não trata de uma crítica específica ou vazia da forma familiar, mas da falta de individualidade, da morte dos ideais de liberdade, do trabalho matutino e da vida saudável, da falta de cigarros e álcool, da prudência avassaladora que, no fim, somente serve para que mais um escravizado mantenha-se firme na labuta.
Assim vamos, seguindo mais ou menos em linha reta, por que nos esquecemos de como é bom o ziguezague. Caminhamos de olhos fechados porque a luz ofusca nossas vistas broxas e meia bomba. Nossa vontade é assassinada pela noção de família, que só existe no imaginário das velhas mães italianas, aprisionadas pela mentira perpétua que as define.