Começava a ficar tudo mais claro em sua mente.
Todo desespero e agonia tinham, enfim, fundamento. Que espécie de maldição era
aquela, perguntava-se antes de atingir a epifania. Porque saber das coisas
antes de todos – ou pensar que sabia?
Interpretar trejeitos, frases, escritos, expressões, sorrisos falsos... Tudo,
finalmente, se encaixava.
Nenhuma redenção, nenhuma moral, sem destino
ou beleza em vista, entornou o restante de vodka do copo, retirou calmamente o
fone de ouvido – que reproduzia Emotion Sickness,
do Silverchair – levantou da cama e seguiu para a cozinha.
Reabasteceu o copo, desta
vez com água. Virou num único gole.
No vitraux, transformado em
espelho pela escuridão da noite, viu refletida sua face, murcha e branca, com
olheiras profundas, cabelo ralo demais para uma cabeça de 29 anos, pensou.
Molhou as mãos na pia e levou-as ao rosto, umedecendo-o. Apanhou uma faca no
escorredor.
Na sala, seus pais dormiam
ao som ensurdecedor da televisão. Ele apanhou protetores auriculares e enfiou
nos ouvidos para evitar a fala irritante de Luciana Gimenez em seu programa
noturno insuportável. Com um golpe certeiro cravou a faca no peito do pai.
Nenhum som, além de um estampido opaco do cabo encontrando a caixa toráxica foi
emitido. Ele a torceu, garantindo a morte. Seguiu ao sofá disposto
imediatamente ao lado e degolou a mãe! Mais uma vez, o silêncio predominara.
Sentou-se, então, no centro
da sala, deitou, recolhendo o joelho junto do peito e adormeceu, com a lívida
certeza de que tudo ficaria bem. Tudo estava bem.