segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Deus, a Baleia Fosforescente e o Menino Selvagem – O Cafife Vai à Praia. Metáforas Fictícias Sobre a Sociedade Contemporânea

Estávamos em algum lugar perto da Rodovia Anchieta quando finalmente a cocaína se mesclou sutilmente ao uísque que bebíamos em um copo plástico. Lembro de ter dito algo como “isso vai ser tipo Medo e Delírio em Las Vegas, tem certeza de que sabe o caminho?” Nofx explodia nos alto-falantes e Dom Digon dirigia o carro enquanto eu equilibrava a bebida ao mesmo tempo em que acendia os cigarros e fungava um novo “tiro” na mão esquerda. Avançávamos rumo à praia de Paúba, no Litoral Norte, a uns 110 por hora com os vidros abaixados. “Drugs are neat and you can buy them relatively cheap” dizia Fat Mike pelo som. “Não foi tão barato assim”, respondi à música.

Antes...
Era mais ou menos onze da noite e Dom Digon, eu e Dri Pendejo bebíamos num bar caro, localizado no coração de Santo André. “Acho que devíamos filmar aquele roteiro que fiz, só precisamos contratar uma prostituta para as cenas de foda”, eu disse, e a conversa seguiu neste ritmo até que cerca de uma hora mais tarde a garrafa de Jack Daniel´s estava mais para vazia do que para cheia e uma ideia brotou não se sabe de onde: “vamos comprar ácido e ir para a praia”.

Pendejo, cuja mulher já havia chegado, declinou da ideia – cabisbaixo e com o olhar marejado. Eu e Dom Digon saímos em busca das drogas.

On the Road...
Não levou muito tempo para que o carro estivesse abastecido com quatro papeis de LSD, duas cápsulas de farinha, duas parangas de maconha, meia garrafa de uísque e outra de vodka. “Tem um pessoal numa casa em Paúba. Vamos para lá e teremos pelo menos onde tomar um banho quando acordarmos”, disse Digon, julgando erroneamente que dormiríamos. “Tanto faz”, respondi, batucando no teto do carro ao som de Lagwagon.

Dos trezentos reais que levávamos, cerca de 150 já havia sido gasto. As acomodações não trariam despesas e tudo com o que tínhamos de nos preocupar era em chegar vivos na Baixada.

O trajeto relativamente rápido, de curvas sinuosas e largos goles de bebida nos levaram a um conjunto de residências de alto padrão, chamado “Paúba, Um Vilarejo”. Antes de chegarmos à portaria, Tomamos um ácido cada um – “yeah, seja o que deus quiser”. “Nossa placa não está relacionada aí na sua lista, mas é muito importante que nos deixe entrar. Estão nos esperando”, dissemos ao porteiro que nos liberou tão rápido que pensei: num futuro próximo, caso a miséria completa me atinja, já sei aonde virei roubar algumas residências de luxo.

A casa que usurparíamos não deixava nada a desejar às demais. Piscina, redes, mulheres lindas, homens receptivos e cerveja, bastante cerveja. Dalí seguiríamos até a praia. Veríamos o sol nascer e beberíamos todo o resto de nossos provimentos. Estávamos em busca de não sabíamos o que, a 150 quilômetros de casa, sem nem mesmo uma cueca de reserva; com a cabeça chapada de ácido e os bolsos repletos de pontas de baseado.

A praia em movimento...
“Eu disse, porra, que a Baleia Fosforescente morre ali, enquanto o Menino Selvagem é currado por pescadores atrás daquelas pedras e aquelas malditas montanhas ficam se mexendo. Caralho, por que aquela merda não para de se mexer...”, questionei eu, com água até a cintura e uma garrafa de vodka na mão, enquanto era resgatado pela Baleia Fosforescente e pelo Menino Selvagem. “Você está com seu celular, sua carteira e os cigarros no bolso, seu maluco desgraçado!”, disseram eles enquanto me resgatavam à segurança da areia.

Por algum motivo insano imaginei que comandava toda a natureza. Mais do que isso, eu era deus, questionando porque diabos as pessoas cagavam em minha obra. A Baleia Fosforescente ria e rolava no chão, sem saber que sua atitude a faria encalhar, enquanto o Menino Selvagem era mais um ser humano comum, sendo penetrado pelo rígido órgão de algum pescador animalesco, enquanto buscava por peixes.

Em minha mente a metáfora era perfeita: deus assistia a destruição de tudo, enquanto os indivíduos chafurdavam e eram currados sem chance de defesa – nem mesmo impediam a curra ou limpavam a areia que entrava em suas bundas, não a percebiam, não viam que eram apenas meninos selvagens em busca de um maldito peixe que, por fim, morria na areia e era enterrado junto de bitucas e papelotes de cocaína cheios d’água.

As árvores, a areia e as pedras ainda se mexiam, como um conjunto de fractais que se autoprojetavam, se autodestruíam e se conformavam de novo, quando Dom Digon tentou me trazer de volta à realidade. “Está dia, precisamos voltar ao convívio com seres humanos”, determinou. “Seres humanos, mas que droga, eles são tão chatos, quero ficar aqui...”, respondi, mexendo infantilmente na areia.

Minha negativa tomou outro rumo quando o Menino Selvagem retornou, inchado como um baiacu, coçando as penas, os braços, o tronco e todo e qualquer espaço de seu corpo. “Acho que sou alérgico a pernilongos”, disse ele, prestes a ter um choque anafilático e morrer ali mesmo, na praia. Dirigimos até o mercadinho mais próximo – ou seria o único? – e aguardamos que o abrissem. “Cacete, não me lembrava que esta revista foi projetada em três dimensões”, disse eu, folheando um catálogo do Sesc. A vendinha finalmente foi aberta e o Menino Selvagem acabou sendo tratado com Dipirona Sódica, o único remédio à venda no mercadinho minúsculo do “Vilarejo...”.

Voltamos, por fim, ao convívio com humanos. A Baleia Fosforescente ainda fosforesce (em algum lugar do passado). Deus dormiu na rede por três dias seguidos e levantou-se somente para preparar drinks de vodka com energético, esperando o momento de ser conduzido de volta ao mundo real – pela Baleia Fosforescente. O Menino Selvagem ainda é currado, buscando por seu peixe, enquanto é quase morto por pernilongos sugadores de sangue; ainda é tratado com Dipirona, mesmo existindo o maleato de dexclorfeniramina

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