Estávamos em algum lugar perto da
Rodovia Anchieta quando finalmente a cocaína se mesclou sutilmente ao uísque que
bebíamos em um copo plástico. Lembro de ter dito algo como “isso vai ser tipo
Medo e Delírio em Las Vegas, tem certeza de que sabe o caminho?” Nofx explodia
nos alto-falantes e Dom Digon dirigia o carro enquanto eu equilibrava a bebida
ao mesmo tempo em que acendia os cigarros e fungava um novo “tiro” na mão
esquerda. Avançávamos rumo à praia de Paúba, no Litoral Norte, a uns 110 por
hora com os vidros abaixados. “Drugs are neat and you can buy them relatively
cheap” dizia Fat Mike pelo som. “Não foi tão barato assim”, respondi à música.
Antes...
Era mais ou menos onze da noite e Dom
Digon, eu e Dri Pendejo bebíamos num bar caro, localizado no coração de Santo
André. “Acho que devíamos filmar aquele roteiro que fiz, só precisamos
contratar uma prostituta para as cenas de foda”, eu disse, e a conversa seguiu
neste ritmo até que cerca de uma hora mais tarde a garrafa de Jack Daniel´s
estava mais para vazia do que para cheia e uma ideia brotou não se sabe de
onde: “vamos comprar ácido e ir para a praia”.
Pendejo, cuja mulher já havia chegado,
declinou da ideia – cabisbaixo e com o olhar marejado. Eu e Dom Digon saímos em
busca das drogas.
On the Road...
Não levou muito tempo para que o carro
estivesse abastecido com quatro papeis de LSD, duas cápsulas de farinha, duas
parangas de maconha, meia garrafa de uísque e outra de vodka. “Tem um pessoal
numa casa em Paúba. Vamos para lá e teremos pelo menos onde tomar um banho
quando acordarmos”, disse Digon, julgando erroneamente que dormiríamos. “Tanto
faz”, respondi, batucando no teto do carro ao som de Lagwagon.
Dos trezentos reais que levávamos, cerca
de 150 já havia sido gasto. As acomodações não trariam despesas e tudo com o
que tínhamos de nos preocupar era em chegar vivos na Baixada.
O trajeto relativamente rápido, de
curvas sinuosas e largos goles de bebida nos levaram a um conjunto de residências
de alto padrão, chamado “Paúba, Um Vilarejo”. Antes de chegarmos à portaria,
Tomamos um ácido cada um – “yeah, seja o que deus quiser”. “Nossa placa não está
relacionada aí na sua lista, mas é muito importante que nos deixe entrar. Estão
nos esperando”, dissemos ao porteiro que nos liberou tão rápido que pensei: num
futuro próximo, caso a miséria completa me atinja, já sei aonde virei roubar
algumas residências de luxo.
A casa que usurparíamos não deixava nada
a desejar às demais. Piscina, redes, mulheres lindas, homens receptivos e
cerveja, bastante cerveja. Dalí seguiríamos até a praia. Veríamos o sol nascer
e beberíamos todo o resto de nossos provimentos. Estávamos em busca de não sabíamos
o que, a 150 quilômetros de casa, sem nem mesmo uma cueca de reserva; com a
cabeça chapada de ácido e os bolsos repletos de pontas de baseado.
A praia em
movimento...
“Eu disse, porra, que a Baleia
Fosforescente morre ali, enquanto o Menino Selvagem é currado por pescadores
atrás daquelas pedras e aquelas malditas montanhas ficam se mexendo. Caralho,
por que aquela merda não para de se mexer...”, questionei eu, com água até a
cintura e uma garrafa de vodka na mão, enquanto era resgatado pela Baleia
Fosforescente e pelo Menino Selvagem. “Você está com seu celular, sua carteira
e os cigarros no bolso, seu maluco desgraçado!”, disseram eles enquanto me
resgatavam à segurança da areia.
Por algum motivo insano imaginei que
comandava toda a natureza. Mais do que isso, eu era deus, questionando porque
diabos as pessoas cagavam em minha obra. A Baleia Fosforescente ria e rolava no
chão, sem saber que sua atitude a faria encalhar, enquanto o Menino Selvagem
era mais um ser humano comum, sendo penetrado pelo rígido órgão de algum
pescador animalesco, enquanto buscava por peixes.
Em minha mente a metáfora era perfeita:
deus assistia a destruição de tudo, enquanto os indivíduos chafurdavam e eram
currados sem chance de defesa – nem mesmo impediam a curra ou limpavam a areia
que entrava em suas bundas, não a percebiam, não viam que eram apenas meninos
selvagens em busca de um maldito peixe que, por fim, morria na areia e era
enterrado junto de bitucas e papelotes de cocaína cheios d’água.
As árvores, a areia e as pedras ainda se
mexiam, como um conjunto de fractais que se autoprojetavam, se autodestruíam e
se conformavam de novo, quando Dom Digon tentou me trazer de volta à realidade.
“Está dia, precisamos voltar ao convívio com seres humanos”, determinou. “Seres
humanos, mas que droga, eles são tão chatos, quero ficar aqui...”, respondi,
mexendo infantilmente na areia.
Minha negativa tomou outro rumo quando o
Menino Selvagem retornou, inchado como um baiacu, coçando as penas, os braços,
o tronco e todo e qualquer espaço de seu corpo. “Acho que sou alérgico a
pernilongos”, disse ele, prestes a ter um choque anafilático e morrer ali
mesmo, na praia. Dirigimos até o mercadinho mais próximo – ou seria o único? –
e aguardamos que o abrissem. “Cacete, não me lembrava que esta revista foi
projetada em três dimensões”, disse eu, folheando um catálogo do Sesc. A
vendinha finalmente foi aberta e o Menino Selvagem acabou sendo tratado com
Dipirona Sódica, o único remédio à venda no mercadinho minúsculo do “Vilarejo...”.
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