segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Sartorão- A Aula de Um Homem Só (homenagem ao dia do professor)

Sartorão era seu nome. Usava calças jeans sempre muito apertadas (de cores diversas: às vezes azuis, às vezes verdes, rosa...). Era magro, lânguido e semi-careca: penteava o cabelo lateral (mais comprido em um dos lados, exatamente para cumprir essa função) por sobre sua calvície pré-frontal. Era um perfeito Ney Matogrosso de Chernobyl. Inclusive não era, dizia-se, entusiasta do heterossexualismo. Era professor de Educação Artística.
           
Suas aulas eram um caos: Cadeiras voavam; saias eram levantadas; pequenos ringues eram armados... A sala de aula parecia ter sido dominada por Gremllins [1]. Essa algazarra, no entanto, não parecia incomodar Sartorão. Munido de seu arsenal de réguas nos mais diferentes formatos, dava a aula para ninguém. Sua voz era raramente ouvida; comumente, em momentos em que entoava uma canção (pois é... ele cantava sozinho também).
           
Numa de suas aulas, onde a porta era trancada como maneira de impedir que os alunos evadissem, o alarido tomou aspectos extremos. Um grupo de alunos praticava luta livre ao fundo da sala, outro jogava truco; meninas ensaiavam coreografias; havia uma roda de capoeira, se não me engano. Sartorão dava aula, entusiasmado, para a sala fictícia que, provavelmente, enxergava. O barulho tomava níveis inimagináveis. Alguém passou a bater à porta efusivamente, pelo lado de fora, aos brados anunciando: “Sartorão, abra! É a Dona Ondina, a diretora”. Sartorão foi incisivo: “Esses alunos não me enganam! Pensam que não reconheço quando imitam a Dona Ondina?”. E a aula seguiu. Sartorão pulava pra lá e pra cá, criando mosaicos e letras góticas com suas réguas, na lousa. Ele realmente estava dando aula para dois grupos de artes marciais, um grupo de dança, um torneio de truco, e outros que faziam nada, mas estavam de costas pra ele. A porta fora arrombada pelo servente. Era realmente Dona Ondina.
           
O sermão da diretora se estendeu pelo resto dos minutos que faltavam para o intervalo. Ao sair,  levou consigo o barulho. A sala fechou um silêncio mórbido. Visualmente abatido, Sartorão dirigiu-se à porta (ou o que restou dela), fechou-a, e, com giz, lhe traçou um quadrado na altura dos olhos, logrando abaixo: ‘Colocar um Vidro Aqui!’.
           
Essa foi uma das muitas aulas de Sartorão. Todas com o mesmo aspecto. Ele nunca fora demitido. E nunca conseguiu dar uma aula sequer. Se existe um professor que representa a sandice que se atinge ao tentar aplicar a idealização de ensino na realidade, esse professor é ele. Que provavelmente começou na melhor das intenções, mas acabou louco, careca e desacreditado.



[1] Filme americano de 1984, sobre umas criaturas verdes que tocavam o terror numa cidade provinciana.

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