terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Monique e a Gaivota


A Gaivota

Movimentado, mas não lotado.
Somente pessoas conversando.
Falando o que casais falam todas as manhãs.
Eu não tenho com quem falar. Não mais.
O garçom me trouxe o cardápio. Não olhei. Sei exatamente o que quero comer:
Gaivota.

Não gosto de gaivota. Ou pelo menos acho que não gosto.
Meu peito parece uma locomotiva enquanto espero.
Sinto uma fisgada na barriga e me lembro que não tem a ver com meu apêndice.
Ajeito “o grande dragão cromado cuspidor de fogo nove milímetros” em minha cintura e tudo volta ao normal.
De longe vejo o garçom saindo da cozinha carregando sua bandeja.
O prato que ele traz é grande.
Achei que fosse menor.
Ele coloca à minha frente e me olha com cara de: “Me agradeça logo e me deixe voltar”.
Eu digo que não quero beber nada.
Corto um naco grande de carne, o suficiente para encher a boca.
Sete mastigadas são o suficiente. Não há mais duvida.
Me desculpe, amor. Eu te amo.
O dragão cromado se enfurece.
E a escuridão me acolhe.

Plano de Voo

O mar é um Deus.
Se o que define um Deus é sua grandeza, o mar definitivamente é um Deus.
Ou se o que define um Deus é o beneficio que ele traz a humanidade... Imagine um mundo sem mar.
Mas olhando por esse ponto de vista o mar nos traz mais benefícios visíveis que o próprio Deus. Será que Deus esta no mar? Porém em contraponto o ar é mais importante que o mar.
Se colocarmos em uma escala de importância...
Toca o celular.
- Alô? Bom dia meu amor. Dormiu bem? Tinha certeza que sim. O que? O voo? Claro que está marcado. Isso, só eu você e as estrelas. Que? Quem vai pilotar? Ora, hahaha, claro que é um piloto, né amor. Hahaha, Mas ele fica em uma cabine isolada. Teremos toda privacidade do mundo. Não se preocupe, estou cuidando de tudo pessoalmente. Te encontro no porto às onze? Sabia que sim. Eu te amo. Eu sei que sim. Um beijo. Até logo meu amor.
Minha mãe sempre dizia que o melhor dia do casamento se passa na lua de mel. E o pior decorre desse em diante. É... Com certeza ela não era muito otimista. Já eu... Não conseguiria ver algo ruim nem que minha vida dependesse disso. Principalmente em meu amor. Sei que nunca a decepcionaria.
Opa, e falando em decepcionar... Melhor falar com o piloto e confirmar tudo.

O Voo

Onze horas!
O piloto está a posto.
Seguro um champanhe numa mão e um buquê na outra.
E fito apreensivamente a entrada do porto. Cada luz de farol que passa faz meu coração acelerar. Até que ele acelera sem parar e ela chega. Tão linda como se imagina que uma Deusa possa ser. Eu a abraço e peço desculpas pelo transtorno, ela se aperta junto a mim e diz que esta tudo bem. Sou um maldito cara de sorte.
O sonho dela sempre foi passar a lua de mel sobrevoando o mar. Como meus negócios nos atrasou, achei justo fazer a sua vontade. Meu sonho era uma cama inflável. Então mandei colocar uma em meu avião; batizado, não por acaso, de Monique.

A Deriva

Frio!
Tudo que sinto é frio.

Não sinto as pernas. Não sinto nada, só sinto o frio.
Abro os olhos e é noite. Minha lua de mel. Algo toma forma sobre mim.
O piloto.
Ouço quase que imperceptível seu balbuciar de palavras. Ele diz que ela resistiu, que nos salvou. Não sei exatamente do que esta falando. Tento perguntar de minha esposa, mas não consigo. Ele diz faz quatro dias. Diz algo sobre o tempo e como não há chuvas nessa época. Ele até parece animado. Diz que preciso me alimentar, que iremos resistir. E então traz alguma coisa até minha boca. E antes que eu me empenhasse em outra tentativa de falar, ele retruca: Você precisa comer, eu sei que esta com fome, coma vai. Achei no mar, é gaivota, eu comi, é bom, é gaivota, coma. E então eu comi, comi até me entalar, o gosto não era bom, era diferente, nunca me esquecerei desse gosto, mas mesmo assim comi com um apetite que nunca havia experimentado antes. E então percebi que estava em minha cama inflável, boiando no meio do mar.
Onde esta minha esposa?
O frio voltou.

O Resgate

No sexto dia me encontraram. Como que você sobreviveu, isso é incrível..., diziam médicos e jornalistas...

Queriam saber do que me alimentei. Peixes? Não, gaivota.
Um enfermeiro arrogante me diz que não existem gaivotas em alto mar. O senhor deve estar delirando, durma uma pouco. O medicamento é intensificado, eu apago, sonho com Monique.

Mais tarde me disseram que uma falha mecânica travou uma das turbinas, tentaram um pouso na água e o avião se estraçalhou. O piloto foi encontrado a quinze quilometro de mim. Ele ficou insano e nadou até a morte. É o que chamam de loucura marítima. Minha esposa morreu na queda. Não me deixaram ver seu corpo. Disseram que seria pior pra mim. Ela não estava como antes. Ela estava, como posso dizer, diferente. Ela havia sido parcialmente...
Devorada!
Devorada ?
Não existem gaivotas em alto mar...

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