A Gaivota
Movimentado, mas não lotado.
Somente pessoas conversando.
Falando o que casais falam todas as manhãs.
Eu não tenho com quem falar. Não mais.
O garçom me trouxe o cardápio. Não olhei. Sei exatamente o que quero comer:
Gaivota.
Não
gosto de gaivota. Ou pelo menos acho que não gosto.
Meu peito parece uma locomotiva enquanto espero.
Sinto uma fisgada na barriga e me lembro que não tem a ver com meu apêndice.
Ajeito “o grande dragão cromado cuspidor de fogo nove milímetros” em minha
cintura e tudo volta ao normal.
De longe vejo o garçom saindo da cozinha carregando sua bandeja.
O prato que ele traz é grande.
Achei que fosse menor.
Ele coloca à minha frente e me olha com cara de: “Me agradeça logo e me deixe
voltar”.
Eu digo que não quero beber nada.
Corto um naco grande de carne, o suficiente para encher a boca.
Sete mastigadas são o suficiente. Não há mais duvida.
Me desculpe, amor. Eu te amo.
O dragão cromado se enfurece.
E a escuridão me acolhe.
Plano
de Voo
O mar é um Deus.
Se o que define um Deus é sua grandeza, o mar definitivamente é um Deus.
Ou se o que define um Deus é o beneficio que ele traz a humanidade... Imagine
um mundo sem mar.
Mas olhando por esse ponto de vista o mar nos traz mais benefícios visíveis que
o próprio Deus. Será que Deus esta no mar? Porém em contraponto o ar é mais
importante que o mar.
Se colocarmos em uma escala de importância...
Toca o celular.
- Alô? Bom dia meu amor. Dormiu bem? Tinha certeza que sim. O que? O voo? Claro
que está marcado. Isso, só eu você e as estrelas. Que? Quem vai pilotar? Ora,
hahaha, claro que é um piloto, né amor. Hahaha, Mas ele fica em uma cabine
isolada. Teremos toda privacidade do mundo. Não se preocupe, estou cuidando de
tudo pessoalmente. Te encontro no porto às onze? Sabia que sim. Eu te amo. Eu
sei que sim. Um beijo. Até logo meu amor.
Minha mãe sempre dizia que o melhor dia do casamento se passa na lua de mel. E
o pior decorre desse em diante. É... Com certeza ela não era muito otimista. Já
eu... Não conseguiria ver algo ruim nem que minha vida dependesse disso.
Principalmente em meu amor. Sei que nunca a decepcionaria.
Opa, e falando em decepcionar... Melhor falar com o piloto e confirmar tudo.
O
Voo
Onze horas!
O piloto está a posto.
Seguro um champanhe numa mão e um buquê na outra.
E fito apreensivamente a entrada do porto. Cada luz de farol que passa faz meu
coração acelerar. Até que ele acelera sem parar e ela chega. Tão linda como se
imagina que uma Deusa possa ser. Eu a abraço e peço desculpas pelo transtorno,
ela se aperta junto a mim e diz que esta tudo bem. Sou um maldito cara de
sorte.
O sonho dela sempre foi passar a lua de mel sobrevoando o mar. Como meus
negócios nos atrasou, achei justo fazer a sua vontade. Meu sonho era uma cama
inflável. Então mandei colocar uma em meu avião; batizado, não por acaso, de
Monique.
A
Deriva
Frio!
Tudo que sinto é frio.
Não
sinto as pernas. Não sinto nada, só sinto o frio.
Abro os olhos e é noite. Minha lua de mel. Algo toma forma sobre mim.
O piloto.
Ouço quase que imperceptível seu balbuciar de palavras. Ele diz que ela
resistiu, que nos salvou. Não sei exatamente do que esta falando. Tento
perguntar de minha esposa, mas não consigo. Ele diz faz quatro dias. Diz algo
sobre o tempo e como não há chuvas nessa época. Ele até parece animado. Diz que
preciso me alimentar, que iremos resistir. E então traz alguma coisa até minha
boca. E antes que eu me empenhasse em outra tentativa de falar, ele retruca:
Você precisa comer, eu sei que esta com fome, coma vai. Achei no mar, é
gaivota, eu comi, é bom, é gaivota, coma. E então eu comi, comi até me entalar,
o gosto não era bom, era diferente, nunca me esquecerei desse gosto, mas mesmo
assim comi com um apetite que nunca havia experimentado antes. E então percebi
que estava em minha cama inflável, boiando no meio do mar.
Onde esta minha esposa?
O frio voltou.
O
Resgate
No sexto dia me encontraram. Como que você sobreviveu, isso é incrível...,
diziam médicos e jornalistas...
Queriam
saber do que me alimentei. Peixes? Não, gaivota.
Um
enfermeiro arrogante me diz que não existem gaivotas em alto mar. O senhor deve
estar delirando, durma uma pouco. O medicamento é intensificado, eu apago,
sonho com Monique.
Mais
tarde me disseram que uma falha mecânica travou uma das turbinas, tentaram um
pouso na água e o avião se estraçalhou. O piloto foi encontrado a quinze
quilometro de mim. Ele ficou insano e nadou até a morte. É o que chamam de
loucura marítima. Minha esposa morreu na queda. Não me deixaram ver seu corpo.
Disseram que seria pior pra mim. Ela não estava como antes. Ela estava, como
posso dizer, diferente. Ela havia sido parcialmente...
Devorada!
Devorada ?
Não existem gaivotas em alto mar...
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